Quase todas as vezes que falamos em transgênicos pensamos em laboratórios de ponta, ativistas e alimentos envenenados, mas pouco se fala da contribuição dos Transgênicos na saúde pública. Nessa semana ocorreu uma pequena mudança nesse cenário: a liberação de mosquitos transgênicos em Piracicaba chamou a atenção da imprensa. A cidade de Piracicaba, São Paulo, enfrenta uma das piores epidemias de Dengue da sua história, e nem as tendas improvisadas nas praças como "hospitais de campanhas" dão conta de atender toda população com sintomas da doença. Parece que estamos perdendo a guerra contra a dengue. Mas calma, ainda temos uma esperança, botem os transgênicos na linha de frente! Para o alto e avante!
O que fazer para resolver o problema da dengue em Piracicaba? Soltar 100.00 Aedes aegypti na cidade. Isso mesmo, você não leu errado! Claro que não é o Aedes selvagem, mas sim um transgênico. O nosso caro leitor deve estar se perguntando por que gastar milhões em pesquisa com insetos transgênicos para combater a Dengue, se ele aprendeu na escola que basta virar as tampinhas no quintal e não deixar a água parada, método indiscutivelmente mais barato e prático. Bem, leitor, a resposta é simples: o método tradicional não tem se mostrado eficiente. É só dá uma olhada nas estatísticas dos mais diversos estados do Brasil para ver que ano após ano as epidemias de Dengue lotam unidades de saúde. Desde de 1920 que esse método é usado. e já que essa é uma "guerra", como as campanhas governamentais gostam de falar, vamos botar uma arma nova, desenvolvida com ciência de ponta, que custa alguns milhões, e que os ambientalistas não gostam muito. Não estou falando da Little e Fat Boy, nem do projeto Manhattan. Estou falando do projeto Oxitec, em Jacobina, na Bahia.

A abordagem genética usada para criar os mosquitos é um sistema
conhecido como tetraciclina controlado ativação transcricional (ATT). O gene tTA é emendado no genoma do inseto de tal forma que a proteína
produzida por ele aumenta sua atividade - um ciclo de feedback
positivo. As células produzem mais e mais proteína tTA - e ao fazer, têm pouca
capacidade para fazer qualquer outra proteína. Eventualmente, isso mata
os insetos. Quando as larvas de machos são criadas, este processo é desligado,
mantendo-os em água contendo o antibiótico tetraciclina, que inibe o
processo de feedback. Quando os machos acasalam, no entanto, o gene tTA em sua prole é totalmente ativo.
Na cidade de Jacobina, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em
parceria com a ONG Moscamed, tentam comprovar que a liberação de
mosquitos
Aedes aegypti geneticamente modificados no meio
ambiente reduz drasticamente o tamanho da população de transmissores da
doença – diminuindo assim o número de infectados, que neste ano já chega
a 1,5 milhão de pessoas, segundo o Ministério da Saúde. Desenvolvido pela empresa britânica Oxitec, que detém a patente, Em Jacobina, levantamentos
mostram que a população de transmissores da dengue em seis meses de
experimento já é 50% menor, de acordo com pesquisadora da USP Margareth
Capurro, coordenadora do Projeto Aedes Transgênico (PAT).

Agora vamos às críticas. Ecologistas levantam a questão do desequilíbrio ambiental que a introdução de um mosquito transgênico possa causar. Gabriel Fernandez, da CNTbio, questiona ainda que, sem um devido estudo, não se pode assegurar que
essas fêmeas – que segundo ele chegam a 3% da produção – não ajudarão a
formar uma segunda população, que poderá crescer mais rápido do que a
silvestre e se tornar eventualmente "mais agressiva" na transmissão da
dengue. Outra possível falha, afirma o membro da CTNBio, seria o não monitoramento de um possível aumento do número de mosquitos
Aedes albopictus, diante da supressão do
aegypti. O albopictus é vetor para várias doenças tropicais como malária e febre amarela.
Chegou a vez do pessoal da ética. Apesar da euforia, o estudo gerou a desconfiança de cientistas ligados à
transgenia., que alegam que a população de Jacobina está sendo feita de cobaia, são
ratinhos de laboratório da Oxitec. Segundo eles, a população não foi devidamente informada sobre o tipo
de pesquisa e afirma não haver um código de ética com detalhes sobre os
procedimentos em campo, onde 4 milhões de mosquitos transgênicos são
liberados no ecossistema toda semana.
Chamem os economistas. Reportagem do jornal britânico The Observer de julho do ano passado, a Oxitec estimou o custo da técnica em menos de £5
libras esterlinas por pessoa por ano. Num cálculo simples, apenas
multiplicando o número pela contação atual da moeda britânia frente ao
real e desconsiderando as inúmeras outras variáveis dessa conta, o
projeto em uma cidade de 150 mil habitantes custaria aproximadamente R$ 3,2 milhões por ano. Se imaginarmos a quantidade de municípios de
pequeno e médio porte brasileiros em que a dengue é endêmica, chega-se a
pujança do mercado que se abre. Porém, vale lembrar os custos com campanhas educativas, com propagandas que enchem os bolsos dos marqueteiros e com tendas de guerra improvisadas nas epidemias, além do ônus de trabalhadores pararem pelos sete dias de recuperação. Nos últimos cinco anos, foram 3,2 milhões de casos de dengue registrados
no Brasil, com cerca de 800 mortes, todas evitáveis Isso só levando em conta o que foi
documentado. Será um investimento válido?
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Esse jornal é de 2002. 13 anos depois, as manchetes não tiveram grandes alterações. |
A cidade de Piracicaba acha que sim. E lá vão eles, voando pelos céus, com a missão de combater a inimiga número um do Estado brasileiro (a que ponto chegamos!). Será que a liberação de 100.000 mosquitos transgênicos resolverão a epidemia na cidade paulista? Saberemos a resposta em 10 meses. Esse é o teste de fogo dos mosquitinhos trans, se falharem, pode ser o fim dessa esperança da ciência. Para finalizar, é bom esclarecer que se esse método funcionar, ele não exclui os atuais, mas sim colabora com eles, principalmente durante as epidemias.
Ironicamente, a nossa arma surpresa nessa guerra é o próprio inimigo geneticamente modificado. A possível solução para Piracicaba é um pássaro? É um avião? Não, são os transgênicos! Para o alto, e avante, Aedes trans!
REFERÊNCIAS
Deutsche Welle (DW), disponível em
http://www.dw.de/pesquisadores-questionam-mosquitos-transg%C3%AAnicos-no-combate-%C3%A0-dengue/a-17256054, acesso em 01 de maio de 2015.
COSTA-DA-SILVA, André L; MACIEL, Ceres; MOREIRA, Luciano A. Mosquitos Transgênicos para controle de doenças tropicais. INTCEM - 2012.
Governo do Rio de Janeiro. Disponível em http://www.saude.rj.gov.br/programas-e-acoes/84-acoes/130-rio-contra-a-dengue-a-historia-da-dengue-no-mundo.html. Acesso em 01 de maio de 2015.
G1 Piracicaba. Disponível em http://g1.globo.com/sp/piracicaba-regiao/noticia/2015/04/piracicaba-comeca-liberar-1-milhao-de-aedes-transgenico-por-semana.html, acesso em 01 de maio de 2015.